Em conversa com uma amiga, dizia-me ela que andava a tentar perceber o que muda numa relação a partir do momento em que se vai morar junto. E pensava eu saber responder prontamente, por tópicos bem enumerados, uma lista suscinta do que muda, do que fica na mesma, do que muda para melhor, para pior, do que se descobre, do que se prefere não descobrir... mas fiquei calada. Porque a primeira coisa que pensei foi: "Há uma grande diferença entre morar junto, e viver junto".
Senão vejamos: Há quem vá morando junto, de vez em quando, uns dias sim, outros não... com meia dúzia de cuecas e meia duzia de pares de meias num lado e o resto no seu habitat natural. Há quem brinque às casinhas, como eu também já brinquei, e num espaço que é só de um, o outro dê o ar da sua graça, apareça para jantar, dormir e ver filmes abraçadinho no sofá dia sim, dia não, e até pode ser dia sim, dia sim, mas a questão é que acaba por ser conforme dá mais jeito a um, e o outro ou aceita ou não. Há quem goste de dizer que mora junto, mas o que é certo é que não faz mais do que partilhar um espaço, onde a bem da verdade acaba por ser sempre uma visita, com mais asseduidade do que as outras, mais à vontade para pôr e dispor de um espaço que não sendo seu, o outro lhe dá o à vontade necessário para agir como tal. E quando assim é, na verdade, não muda grande coisa. Se calhar diminuem os programas fora de casa, vão menos vezes jantar e almoçar fora, as idas ao cinema também são mais selectivas, o sofá passa a ser o local de eleição para os serões... basicamente, o namoro passa a ser mais a dois, e menos social. Têm mais privacidade, mais tempo de qualidade, até mais estabilidade emocional, porque sabem que, sendo de um ou de outro, têm sempre aquele poiso e não têm de pensar "onde é que vamos agora? Ou o que é que vamos fazer agora?".
Mas se me perguntarem o que é que muda quando se vive junto, aí o caso muda de figura. Quando se decide ir viver junto com alguém, não é por impulso, não é porque dá jeito, porque facilita a vida de um, ou até dois dois lados, porque se precisa de mais privacidade, de um tecto para viver o namoro. Viver junto com a pessoa com a qual se tem uma relação é um desafio. Mas é acima de tudo um projecto, um querer de igual modo, com a mesma vontade, exactamente pelo mesmo motivo, que acaba por ser somente isto: "gostar tanto da companhia um do outro, que não se justifica estar longe quando se pode estar perto". Viver junto com alguém é um construir diário de algo que talvez nem saibamos muito bem o que é no início, mas que simplesmente se vai moldando, dia após dia. E é um risco. Pode não dar em nada... porque lá está, não é como morar junto. Não há o "hoje fico cá, mas amanhã não". Quando se vive junto fica-se todos os dias. E passam-se os dias com essa certeza absoluta, de que ao fim do dia, o outro está lá. E amanhã também, e depois também. Quer o dia tenha sido bom, ou mau. Quer haja flores e bombons ao chegar a casa, quer haja discussões feias, vontade de virar costas e bater com a porta. Viver junto é isso: é não bater com a porta, pelo menos a da rua, que dentro de casa cada um tem direito ao seu espaço e tempo sozinho. Mas virar as costas em tempos de crise é que não.
É um compromisso dos bons, e uma responsabilidade das boas. Das que não pesam. Daquelas que até nos fazem sentir mais leves, porque é a dois, é dividido e partilhado, sempre em igual quantidade para cada lado. É saber que estamos no mesmo barco, a remar ambos no mesmo sentido. Com a certeza de que há marés e marinheiros por aí fora que puxam sabe-se lá para onde, mas que os 4 braços remarão sempre no mesmo sentido. E quando assim é, muita coisa muda.
Muda cada uma das partes. Muda a maneira como vemos a vida, mudam os sonhos, os desejos e objectivos de futuro. Mudam as certezas. Mudam os medos. Crescemos sem dar conta, porque se ganha em paciência, em tolerância, em compreensão, em esforço, em vontade de que tudo dê certo. Perde-se em egoísmo, nos caprichos, nas birras e nas crises existenciais. E encontra-se um equilíbrio que antes não sabiamos sequer ter necessidade de sentir, mas que faz tão bem! E tal como em todas as mudanças, sejam de que tipo for, não é fácil. São as tarefas domésticas que têm de ser feitas a dois, são os feitios de duas pessoas a chocarem numa área limitada por tempo ilimitado, são as pequenas imperfeições que com o passar do tempo começam a ser engraçadas e perfeitas aos olhos de quem gosta. É adormecer, acordar, comer, estar, limpar, arrumar, viver, conviver juntos, todos os dias. E dito assim pesa... Mas quem vive junto porque realmente quer, porque gosta, porque sabe que vale a pena, porque sente que não há outra hipótese que preencha mais nem faça sentir melhor, sabe também que o único peso que se sente é o da felicidade!
(Por isso Neferet, assim que a tua casinha estiver pronta, muda-te de armas e bagagens com o teu mais que tudo! Tenho a certeza de que a vossa relação vai mudar... para muito melhor!! Beijinhos com saudades.. estás no meu coração!)