terça-feira, 22 de abril de 2008

"Geneticamente Fúteis"

É o nome do segundo romance de Cláudio Ramos, que eu ainda não li. Reforço, ainda. Será a minha próxima companhia nas viagens de Intercidades.
Há dias, em entrevista ao "Portugal no Coração", ironizava o Cláudio que "Portugal é um país de pura intelectualidade". Concordo. Mais do que concordar sublinho, subscrevo e aplaudo de pé se preciso for.
Senti isso na pele no meu primeiro ano da faculdade, e muito. Vinda da "serra", com 17 anos para a capital, fui lançada às feras, na mais prestigiada Escola de Jornalismo de Lisboa. Sei bem do que falo, portanto, no que toca a conversas de nível intelectual elevado, de temática literária e cultural. De repente deparo-me com um grupo de pessoas onde TODA a gente já tinha lido, pelo menos, 3 romances do Saramago. TODA a gente ia para a faculdade de DN debaixo do braço diariamente. TODA a gente se sentava no bar para discutir a linha editorial do Expresso dessa semana. TODA a gente só ia ao cinema em salas que até hoje desconheço a localização, para ver cinema romeno, eslovaco e escandinavo. TODA a gente passava os fins de semana a ver exposições no CCB ou na fundação Serralves. Enfim... TODOS um bando de Cagões!
Nunca me identifiquei com eles, com as conversas, com a minoria intelectual que se esforçavam para manter, com a sede e ambição de mostrar ser ou saber mais do que o colega do lado, com os banhos intermináveis de pura graxa aos professores ao fim das aulas e as reuniões nos gabinetes para esclarecimento de dúvidas. Nunca me passou sequer pela cabeça, tentar ser parecida com eles, para, de alguma maneira me adaptar e tornar a minha vida mais fácil dentro de um meio tão competitivo e feroz. Não fui esperta, bem sei, mas também não fui corrompida.
Entrei ali pela mesma porta e com os mesmos critérios que todos os outros, orgulhosa da minha média de 17 valores, satisfeita por estar no curso que sempre quis e sonhei, e sem me sentir nem mais nem menos que nenhum deles. Mas depressa percebi que não era igual a eles.
Hoje penso exactamente da mesma maneira, com a agravante de que, com o passar dos anos, o fim da licenciatura e a possível entrada no mercado de trabalho eles ficaram cada vez mais arrogantes, ainda mais elitistas, competitivos e cagões.
Acham mesmo que algum deles admite ver a "Tertúlia Cor de Rosa", ou ler a "Tv Mais"? Acham mesmo que se eu falar no Cláudio Ramos eles vão dizer que sabem quem é? E eu fartinha de saber que eles vêem, que eles compram e lêem, e que morrem de inveja do Cláudio Ramos, que tal como o próprio já disse e bem: "é uma figura incontornável na televisão portuguesa"!
Pois eu vejo e gosto. Eu leio e gosto. Sei quem é o Cláudio Ramos e admiro-o pela postura que tem, enquanto comentador, pago para exercer exactamente essa função, dentro do formato de entretenimento da Tertúlia, que o obriga a uma exuberância e a recorrer a exageros e caricaturas, ironias e sarcasmos, mas também quando se apresenta "a solo" enquanto Cláudio Ramos, falando sobre o próprio, sobre o seu trabalho e forma de estar na vida, no seu blog, por exemplo, onde assume uma posição muito mais serena, tranquila, consciente e bem resolvida. Muito distinta do pedantismo e hipocrisia de tantos analfabetos funcionais, também eles vitimas de um género de futilidade pseudo-intelectual crescente e berrante.
Ainda não li o romance, repito, mas nem preciso para concordar desde já que a futilidade pode ser, de facto, genética, mas também muito alimentada nos dias de hoje, não só ao nível físico, do que se tem e não tem, do que se veste e não veste, dos sítios que se frequenta ou não...mas também ao nível das aparências intelectuais ou falta delas que se tornam ridículas, desinteressantes e vazias, como qualquer outro tipo de futilidade.

9 comentários:

Micaela Neves disse...

Esse bando de cagões, de certeza que não sabe o que é ter uma terra, onde se passa a semana toda a desejar que chegue a 6a feira para ir para lá. Esse bando de cagões, de certeza que não sabe o que é ter uma terra, onde a diversão é bem melhor do que aqui e onde se anda muito mais a vontade do que aqui e onde a qualidade de vida é bem melhor. Onde também há jornais e revistas para quem os quiser ler. E para os que não o leem, não serão menos informados ou menos cultos. Para que esses cagões saibam, na terra também há televisão e a informação é a mesma, só que mais saudavel, porque os nosso ouvidos são mais saudáveis! Abaixo essa gente! Sinceramente isto irrita-me, a mim que estou há dois anos em Lisboa e ainda me olham como aquela-que-veio-lá-da-terra-que-é-o-fim-do-mundo.
Sao uns invejosos e sim, uns grandes futeis porque têm vergonha de admitir que lêem a imprensa cor-de-rosa e que vêem as tertúlias. Eu, além de admitir que tenho o livro do Claudio na minha mesa-de-cabeceira, admito que já trabalhei ao pé ele e gostei, admito que por ter trabalhado ao pé dele passei a gostar mais dele e ainda admito mais: Ainda bem que há Claudios Ramos nesta vida e uns outros que tal. Graças a eles ganho o meu ordenado ao final do mês, graças a eles trabalho, coisa que se calhar esses cagões ainda não conseguiram! Eu rabalho na imprensa cor-de-rosa, que mal isso tem?
Foi o desabafo...

Osga disse...

É claro que cada um fala do seu convento mas posso-te garantir que é pratica geral de muitas faculdades neste país.A FCSH no seu bar amarelo com pseudo tertúlias de grupos de pseudo filosóficos, a faculdade de Letras na Cid Universitária deve apresentar o maior nº de cagões por m2, e claro está a arrogância dos Sr´s Eng do Técnico e ISEL. Apesar de me identificar no que escreveste uma coisa é certa, pelo que vi até hoje só ganhou quem entrou no jogo deles.Infelizmente as nossas escolas permitem a formação de mais arrogantes, elitistas, competitivos e cagões.

Tenho dito! :D

Anónimo disse...

Hoje não posso deixar de comentar! Também eu vim da santa terrinha para a capital e me vi no meio desses cagões que, coitados, até metem dó! São tão cultos e letrados mas muitos ainda pensam que o leite vem dos pacotes!!!
Sabem lá eles o que é viver... o que é respirar ar puro, namorar no restolho, ver o céu a 360º!
E sim, tmb temos televisão, revistas, jornais, livros, internet e rede no tlm!

Clepsydra disse...

Confesso, à primeira vista (e, se calhar, à segunda, terceira e quarta) acho que, com alguma facilidade, seria confundida com esses "cagões"...

Referi-me "à primeira vista" porque é habitual ter o Público por companhia diária, porque (até ver, recusei, por capricho, o Saramago) li quase tudo do Lobo Antunes (autor muito querido entre os cagões), choro com a ausência de uma Cinemateca ou de um Cinema King no Porto, onde objectos cinematográficos de estranhas paragens me pudessem brindar com belas descobertas...

Gosto de pensar que, a partir daí, me afasto dos ditos cagões, porque gostando de tudo o que anteriormente enumerei, admito, acho legítimo e saudável que se esteja no polo oposto desse gosto.

É, por exemplo, aí que me encontro no que respeita ao Cláudio Ramos. Para mim, é uma figura perfeitamente contornável da televisão portuguesa (como quase todas as outras - praticamente só vejo canais da cabo e de manhã não estou em casa para ver a Tertúlia...)

Em Portugal, como provavelmente em quase todas as sociedades ocidentais, as pessoas tendem a mover-se pela busca da distinção. Pela procura daquilo que, num determinado campo, se poderá transformar num elemento raro, cobiçado e valioso - ou seja, numa elite. É assim com a roupa que se veste e com autores que se apregoa ler. Quando se democratizam em execesso, as elites elegem novos elementos (uma nova mala? um refundido autor obscuro?)No fundo, a lógica da merd@ é a mesma, as moscas é que (acham que) são diferentes.

PS - Pips, procurei o teu e-mail, mas como não estava disponível no perfil, fica aqui o meu agradecimento pelos comentários e pela atenção dedicada à minha história (contada em 3 longos posts. é preciso ter paciência:) Obrigada, muito obrigada. Beijo

Anónimo disse...

Segundo o dicionario...
cagão:
fem. cagona
s. m., fig., homem medroso.

hum..medroso, nao deveria ser antes merdoso?! nao percebo a lingua portuguesa, talvez esses sabios jornalistas me possam ajudar!

Anónimo disse...

EStive a ver o blog do Claudio e ao ler um dos teus comentarios decidi passar cá para "cuscar" um bocadinho...
Devo confessar que gostei do que li...
Quanto ao livro do Claudio aconselho-te a ler é muito agradável, uma excelente companhia...

beijinho

Anónimo disse...

Vi o teu comentário no blogue do Cláudio e decidi dar um saltinho. Gostei do que li, quanto ao livro também estou a ler e acho que devias começar também a ler:)

Ritititz disse...

Mikitas: lá de onde nós vimos, ser cagão é ficar em casa a um sábado à noite e desperdiçar caipirinhas, varanda e brigada da limpeza! Isso sim...é de lamentar!

Osga: bom saber que a espécie "Cagona" não se dá apenas pelos meus lados. Se não ia achar que tinha sido mesmo um grande azar meu.

Xinha: os cagões desconhecem mesmo uma série de valores, vivências e experiências que só se adquirem na santa "terrinha" e que lhes vão sempre passar muuuuito ao lado.

Clepsydra: só o facto de partilhares humildemente os teus gostos pessoais, sem deles fazer bandeira nem tentativa de diminuir quem te rodeia, exclui-te automaticamente da classe dos "Cagões", por muito Lobo Antunes que leias, querida!
Quanto à tua história, continuo coladíssima à espera de novos desenvolvimentos! Não me deixes pendurada, por favor!!

Anónimo: como futura jornalista eu esclareço: é MERDOSO mesmo!!

d'b e Archy: obrigada pela visita, voltem sempre e comentem ainda mais!

Unknown disse...

Que comentário simpático. Vê-se que entende o trabalho...
Beijo e obrigado

Eu, Cláudio!